Levantamento inédito analisa 10 pecuaristas que estão entre os maiores do país: apenas um deles não tem problemas ambientais e trabalhistas.
Repórter Brasil revela quem são os fazendeiros que desmataram a Amazônia e fizeram fortuna.
9 dos 10
têm ao menos 1 fazenda na Amazônia
R$639 mi
somados em multas ambientais
1.400 km²
de áreas embargadas por desmatamento ilegal
163
trabalhadores resgatados de trabalho escravo
Dos 10
gigantes pecuaristas, apenas 1 deles não tem problemas ambientais e trabalhistas
Quem são
Onde estão as fazendas
Selecione uma tag para ver as fazendas no mapa.
Foram consideradas somente as fazendas com criação de gado.
Por que na Amazônia
Terras baratas, pouca fiscalização ambiental e incentivos do governo, desde a época do Brasil Império, para ocupar a floresta com atividades econômicas. Esses são alguns dos fatores que explicam porque, em um país continental, parte significativa da sua produção de gado está em áreas desmatadas da maior floresta tropical do mundo.
Atualmente, os nove estados que compreendem a Amazônia Legal abrigam quase a metade (43%) de toda a população bovina do país.
Se hoje existem estudos que indicam que 75% do desmatamento da Amazônia ocorre para a abertura de pasto, o fenômeno não é recente. Dos dez pecuaristas retratados neste especial, parte importante deles chegou à região Norte vindos do Sul e do Sudeste com incentivos do governo militar nas décadas de 1960 e 1970. A outra parte investe na região, seja para lucrar com gado ou com terra.
Desmatamento, trabalho escravo e incentivo da ditadura: o que está por trás dos megapecuaristas do Brasil
Multas de R$ 640 mi por violações ambientais, fazenda do tamanho de Portugal e 163 trabalhadores resgatados de condições análogas à escravidão; dos 10 gigantes da pecuária, apenas um não tem problemas ambientais ou trabalhistas.
Avanço da pecuária na Amazônia pode desmatar área igual à Irlanda até 2030
Desde 1970, rebanhos migram rumo à floresta por conta de incentivos governamentais; pesquisadores apontam soluções, como aumento de produtividade, pressão internacional e rastreabilidade dos bovinos para acabar com o desmatamento.
Grupo Opportunity - AgroSB (ex-Santa Bárbara Xinguara)
R$ 372 mi em multas ambientais
O banqueiro, que chegou a ser preso duas vezes em 2008 no âmbito da Operação Satiagraha por suspeita de lavagem de dinheiro, tentativa de suborno e evasão de divisas, é o controlador do Opportunity que, por sua vez, detém uma das maiores criações de gado do Brasil - e talvez do mundo. Trata-se da empresa AgroSB, que já foi administrada pelo cunhado de Dantas, Carlos Rodenburg, e hoje tem como CEO o empresário Cristiano Soares Rodrigues, também sócio do Opportunity.
Detentora de gigantescas fazendas no Pará (em Cumaru do Norte, Santana do Araguaia, Xinguara e São Félix do Xingu), a AgroSB está no topo da lista das multas milionárias por desmatamento ilegal deste levantamento sobre os ‘barões do gado’. Além disso, as fazendas do grupo já tiveram, no total, 63 áreas embargadas por infrações ambientais. O grupo também esteve envolvido em problemas trabalhistas e criminais. Em 2012, uma de suas fazendas foi flagrada com trabalho análogo à escravidão, e no ano seguinte um empregado foi assassinado dentro de uma propriedade da empresa. O crime motivou uma ação trabalhista, além de criminal, por danos morais e materiais à família da vítima. Além disso, a Polícia Civil do Pará investiga até hoje o assassinato, em 2017, de dois irmãos que faziam parte de uma ocupação em outra outra fazenda do grupo.
Procurada, a AgroSB afirma que a Operação Satiagraha, que deu origem às prisões de Dantas, foi anulada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 2011, e as prisões ocorridas no âmbito da operação foram consideradas ilegais pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2014; que o Ibama lavrou multas sem embasamento legal e que a maior parte das infrações registradas foram cometidas por terceiros ou em propriedades invadidas, como no caso das fazendas Maria Bonita e Cedro; e que alguns autos de infração lavrados na fiscalização que levou à configuração de trabalho análogo ao de escravo foram cancelados pela Justiça em 2018.
NOTA DA REDAÇÃO: Após a publicação da reportagem, a empresa enviou uma decisão judicial da Justiça do Trabalho de 2018 que anulou sete dos 43 autos de infração lavrados durante a fiscalização trabalhista de 2012 – o que, na avaliação da empresa, eliminaria o enquadramento por escravidão contemporânea. Apesar de o entendimento ser aceito pela Advogacia-Geral da União, auditores fiscais do trabalho ouvidos pela reportagem afirmam que os autos restantes são suficientes para manter a caracterização de trabalho análogo ao de escravo.
Família Vilela de Queiroz
VDQ Holdings
Criação de gado em 4 estados da Amazônia Legal
Também dona dos frigoríficos Minerva, um dos maiores do país, a família é de Barretos, no interior de São Paulo. A primeira fazenda do grupo fundado em 1957, a Guaporé, fica em Vila Bela da Santíssima Trindade (MT), cidade com a maior proporção de gado por habitante (65 animais por pessoa) dentre aquelas com os maiores rebanhos do país.
Hoje, o conglomerado possui propriedades espalhadas por cinco estados: Tocantins, Goiás, Pará, Mato Grosso e Rondônia. Duas delas, as fazendas Corumbiara e Pimenta Bueno, tiveram episódio envolvendo trabalho degradante. Juntas, as propriedades da família somam R$ 7 milhões em multas ambientais.
Família Maggi Scheffer
Grupo Bom Futuro
41 empregados resgatados de condição degradante
Apesar de a família Maggi ser conhecida pela produção de soja, os irmãos Eraí, Elusmar e Fernando Maggi Scheffer, e o cunhado deles, José Maria Bortoli, também são grandes criadores de gado. O rebanho do Grupo Bom Futuro, que comandam, é estimado em 130 mil cabeças. Eles são primos de Blairo Maggi, conhecido como “rei da soja”, que foi governador do Mato Grosso (2003-2010) e ministro da Agricultura do governo Temer (2016-2019).
Em 2008, 41 empregados foram resgatados pelos auditores do Ministério do Trabalho de trabalho degradante em uma fazenda arrendada pelo grupo dos irmãos Scheffer. Em 2016, Elusmar e Eraí foram investigados pelo Ministério Público Federal na Operação Rios Voadores, que desarticulou uma organização criminosa especializada no desmatamento ilegal e grilagem de terras no Pará. Os investigadores apuraram transações comerciais entre os irmãos Elusmar e Eraí e o empresário Antônio José Junqueira Vilela Filho, que tem o recorde da maior multa aplicada pelo Ibama por crimes ambientais a um único indivíduo. O grupo Bom Futuro, que hoje atua na agricultura, pecuária, piscicultura, energia, sementes e transportes, possui embargos ambientais, infrações trabalhistas e mais de R$ 800 mil em multas do Ibama. Além disso, o grupo já comprou gado de fazendeiros que queimaram o Pantanal em 2020.
Família Quagliato
85 trabalhadores resgatados de trabalho escravo em caso com repercussão internacional
Os irmãos Roque, Francisco Eroides (imagens) e João Luiz Quagliato Neto estão à frente dos negócios da família, originária de Ourinhos, interior de São Paulo. Suas oito fazendas estão espalhadas pelos municípios de Sapucaia e Xinguara, no Pará, sendo que em cinco delas há registros de violência, assassinato e desaparecimento de trabalhadores, além de conflitos por terra, segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT).
O histórico da família também inclui o resgate de 85 trabalhadores em situação análoga à escravidão em 2000 na Fazenda Brasil Verde, em Sapucaia (PA). O caso foi parar na Corte Interamericana de Direitos Humanos, que, em 2016, responsabilizou o Brasil pelas violações. Em 2019, o Ministério Público Federal do Pará apresentou à Justiça acusação criminal contra João Luiz e o gerente da fazenda na época por redução à condição análoga à de escravo e aliciamento de trabalhadores, mas o caso ainda não foi julgado. Ao menos três áreas de fazendas do grupo já foram embargadas pelo Ibama, que também aplicou um total de R$ 150 milhões em multas ambientais.
Ronaldo Rodrigues da Cunha
Agropecuária Rodrigues da Cunha
Autuado por desmatamento filho doou R$ 151 mil para a campanha de Bolsonaro
A tradicional família de Uberaba (MG) mantém diversas fazendas no Pará e Mato Grosso, dentre elas a Estrela do Aripuanã, que em 2012 foi multada em R$ 2,2 milhões pelo Ibama por desmatamento ilegal de uma área de 1,5 mil hectares. A propriedade esteve também entre focos de queimadas em 2018 e 2019. Seu rebanho é composto por 102 mil cabeças de gado, distribuídas em nove fazendas. Herdeiro e um dos donos deste império, o fazendeiro Ronaldo Venceslau Rodrigues da Cunha doou R$ 151 mil para a campanha de 2022 de Jair Bolsonaro.
Edio Nogueira
Agropecuária Rio da Areia
R$ 75,9 milhões em multas ambientais
Edio Nogueira já esteve entre os campeões de desmatamento na Amazônia. Suas fazendas, espalhadas pelo Mato Grosso, já tiveram 4 embargos ambientais, 15 infrações trabalhistas e 11 multas do Ibama, totalizando quase R$ 76 milhões. Nogueira fornece carne para os três maiores frigoríficos do país (JBS, Marfrig e Minerva), apesar de as empresas terem assinado compromisso em 2009 de não adquirirem animais de desmatadores.
Marcos Molina
Agropecuária Jacarezinho
100 mil cabeças de gado
Marcos Molina é também dono da Marfrig, um dos três maiores frigoríficos do país. Ele foi citado em 2017 nas investigações da Operação Cui Bono, um desdobramento da Lava Jato que apurou esquema de corrupção envolvendo o desvio de dinheiro da Caixa Econômica Federal por políticos para o favorecimento de empresários.
Suas fazendas estão espalhadas pelos estados da Bahia, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul e somam 100 mil bovinos. Embora a Agropecuária Jacarezinho faça parte hoje de um projeto de produção sustentável de bezerros, as propriedades do grupo somam R$ 7,9 milhões em multas ambientais, além de um embargo por crime ambiental e nove infrações trabalhistas.
Claudiomar Kehrnvald
R$ 19,5 milhões em multas ambientais
Conhecido como Mazinho, ele é dono de diversas fazendas no Pará e já teve frigoríficos e madeireiras. Sozinho, Mazinho tem R$ 19,5 milhões em multas ambientais. Em um dos casos mais recentes envolvendo seu nome, famílias que vivem em uma ocupação rural filmaram um avião que veio da propriedade do fazendeiro e despejou agrotóxicos perto de suas casas e plantações. Idosos e crianças relataram sintomas de intoxicação após o episódio, que está sendo investigado pelo Ministério Público do Pará e pelo Ministério Público do Trabalho. A suspeita da promotoria é que o agropecuarista tenha usado o agrotóxico para expulsar os ocupantes da área, uma fazenda vizinha à sua propriedade.
Essa mesma área vizinha foi palco da chacina de Pau D’Arco. Em maio de 2017, policiais civis e militares mataram dez sem-terra que ocupavam o local. Na época do crime, Kehrnvald arrendava parte da fazenda ocupada e estava tentando comprá-la. Seu nome é citado diversas vezes no inquérito sobre os mandantes do massacre. Dentro do processo, depoimentos da família que é dona da fazenda ocupada indicam que Kehrnvald teria prometido tirar os sem-terra do local pouco antes da chacina. Também ouvido, ele confirmou as tentativas de compra da propriedade, mas negou qualquer envolvimento com o crime. Conduzido pela Polícia Federal, o inquérito foi concluído em 2021 sem apontar culpados.
Família Soares Penido
Agropecuária Roncador
Fazenda tem quase 100 mil hectares
Situada no município de Querência (MT), terceiro em desmatamento no Mato Grosso, a principal fazenda do grupo tem cerca de 100 mil hectares e um rebanho de 70 mil cabeças de gado. Foi fundada por Pelerson Soares Penido, criador do grupo Serveng, que deu origem à CCR, grupo que atua na concessão de rodovias.
Em 2004, uma ação do Ministério do Trabalho e Emprego resgatou 28 trabalhadores em situação de trabalho escravo, além de cinco adolescentes realizando atividades proibidas. A fazenda também já teve duas áreas embargadas por crimes ambientais. Atualmente, o Grupo Roncador, que inclui uma outra fazenda no Vale do Paraíba (SP) de pouco mais de 3 mil hectares, é controlado por Pelerson Penido Dalla Vecchia, neto do fundador.
Fazenda Nova Piratininga
Uma fazenda maior que a cidade de Nova York que não apresentou problemas
Uma fazenda maior que a cidade de Nova York, com escola, igrejas, estradas, viadutos, 600 “moradores” e cerca de 120 mil cabeças de gado: essa é a Nova Piratininga, na divisa entre Goiás e o Tocantins, que chegou a ser alvo de fake news atribuindo sua propriedade ao ex-presidente Lula. O latifúndio pertencia a Wagner Canhedo, que comandava a falida companhia aérea VASP. Em 2010, a fazenda foi comprada pelos empresários da indústria farmacêutica João Alves de Queiroz Filho (Hypera Pharma), Marcelo Henrique Limírio Gonçalves (ex-dono da Neo Química) e Igor Nogueira Alves de Melo (membro do conselho de administração da farmacêutica Teuto, controlada pela Pfizer).
Nas mãos dos novos sócios, a Nova Piratininga não registrou nenhuma infração ambiental ou trabalhista e não sofreu nenhum embargo por danos ambientais. Os problemas, no entanto, ficam por conta de seus donos: Marcelo Limírio foi investigado por pagar propinas no setor de saúde, enquanto a empresa de João Alves Queiroz Filho foi alvo da Operação Lava Jato, em 2015.
Equipe
Coordenação e edição Ana Magalhães
Pesquisa e reportagem Marina Rossi
Processamento de dados Álvaro Justen (Turicas)
Pesquisa de imagens e redes sociais Joyce Cardoso
e Tamyres Matos
Revisão e checagem Ana Aranha, Gisele Lobato, Diego Junqueira, André Campos
e Daniel Camargos